22 de setembro de 2006

gestão

Gestão empresarial

Foi tudo muito rápido.

A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou.
Deu um gemido e apagou. Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso portal. Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas.
Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:
- Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos?
- No céu.
- No céu?...
- É. Tipo assim, o céu. Aquele com querubins voando e coisas do gênero. Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.

Apesar das óbvias evidências (nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular), a executiva bem-sucedida custou um pouco a admitir que havia mesmo apitado na curva. Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de
negociação, de que aquela situação era inaceitável. Ponderou dizendo que após uma semana, iria receber o bônus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa. E foi aí que o interlocutor sugeriu:
- Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.
- É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?
- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.
- Assim? (...)
- Pois não?

A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro. Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu rapidinho:
- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida e...
- Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio?
- Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo "executiva"?
- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.

Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica - por assim dizer, celestial ali na organização.

- Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando a toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistêmica.
- É mesmo?
- Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia. Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?
- Ah, não sabemos.
- Headcount, então, não deve constar em nenhum versículo, correto?
- Hã?
- Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance.
- Que interessante...
- Depois, mais no médio prazo, assim que os fundamentos estiverem sólidos e o pessoal começar a reclamar da pressão e a ficar estressado, a gente acalma a galera bolando um sistema de stock option, com uma campanha motivacional impactante, tipo: "O melhor céu da América Latina".
- Fantástico!
- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização de um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver.
- Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Acionista... Ele existe, certo?

- Sobre todas as coisas.
- Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, me parece extremamente atrativo.
- Incrível!
- É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho certeza de que você vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela frente vai resultar em um turnaround radical.
- Impressionante!
- Isso significa que podemos partir para a implementação?
- Não. Significa que você terá um futuro brilhante... se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno.

(texto de Max Gehringer - Revista Exame)


Bom fim de semana

dctor x

Um comentário:

Mosana disse...

Eu já tinha lido esse texto.. impagavel e real!
Muito bom!
E é verdade mermo né.. burocracias da porra!
Beijos e bom fim de semana!